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SEJA DIFERENTE COMO RITA LEE JONES

Por Rosanna Naccarato

Com o desafio de escrever sobre a “A moda Rita Lee”, que nos deixou no último dia 08 de maio, aos 75 anos, passou um filme colorido, irreverente, divertido e feminista na tela da memória. E não dá para falar de moda sem mencionar a sua música, que logo invadiu as nossas vidas sem pedir licença. Isto porque viveu períodos incríveis de mudanças sociais radicais, em que as hierarquias tradicionais começaram a se dissolver, abrindo caminho para uma nova era. A maneira como as pessoas se vestiam era um sinal óbvio de mudança de atitude. Na década de 1960, muitos optaram, publicamente, por começar a parecer diferente do normal – e Rita Lee veio junto nesta onda. 

Rita entendeu ainda muito jovem as dificuldades de ser uma mulher-artista cercada de  garotos roqueiros. Preconceito? Machismo? A questão é: para que serve um artista se não há a chance de se expressar, falar o que pensa? Foi uma roqueira que interpretava e escrevia suas canções, expressando  nas imagens dela própria, que comporia no palco, todas as mulheres que viveu e interpretou em seus versos. Performática desde os tempos do grupo Mutantes, afirmava que vinha de outro planeta, mas eis que era ela, Rita Lee Jones, “a mulher que caiu na Terra”. 

No Instagram de Arnaldo Baptista, em sua mensagem de condolências, ele faz um belo resumo, com várias referências: “Rita Lee trouxe para os Mutantes um lado circense, que envolveu humor, roupas e instrumentos que ela tocava, como o Theremin. Além de nossas parcerias, como ‘Balada do louco’, entre tantas outras. Descanse em paz”. A imagem escolhida para a postagem é Rita com sua jaguatirica chamada Ziggy Stardust.  

Os festivais e programas de auditório televisionados pela Record impulsionaram os movimentos dos anos 60 e difundiram opiniões e novos posicionamentos políticos. Foi em 1967 que tudo mudou. Acompanhando Caetano Veloso na música “É Proibido proibir’ no 3º Festival Internacional da Canção (FIC), Rita, ao lado de Arnaldo e Sergio Dias Baptista, se apresenta com o vestido de noiva que a atriz Leila Diniz havia usado na novela da Rede Globo (1966) “’O Sheik de Agadir’. Os Mutantes ganharam o mundo com seu som rasgado e psicodélico – vanguarda para a época, que ainda digeria o iê-iê-iê da Jovem Guarda. Magrela, como a famosa modelo inglesa Twiggy, e seu ar ingênuo de menina, era o oposto, quando o grupo apresentava suas brincadeiras e destilavam ironias.  

No ano seguinte (1969), no 4º FIC, usa novamente um vestido de noiva, mas com uma barriga falsa de gravidez, que fez a plateia ir ao delírio. No mesmo ano, na contracapa do LP, Rita posa com os Mutantes na cama, todos nus, e a repercussão chega além-mar, tornando-os conhecidos em toda Europa. Em 1970, na turnê francesa, passam a fazer uso do LSD e formam uma comunidade hippie, até que, em 1972, foi expulsa do grupo, começando a se despir do efeito hippie. 

Foi construindo uma imagem de moda, reflexo de questionamentos, como o papel da mulher na sociedade. Foi à Londres e importou modas, como a bota plataforma meia pata da loja Biba, referência da moda jovem e autoral na época, e que fez parte do álbum da recém banda só dela, chamada “Tutti Frutti”, com músicas que indicavam a temática feminista e um novo caminho musical. Londres, nos anos 1960/70, foi um campo de experimentações estéticas, encabeçadas por Marc Bolan (T-Rex), David Bowie (Ziggy Stardust), Syd Barrett (Pink Floyd), Jimi Hendrix, Beatles (em sua fase psicodélica), entre outros; com acessórios maximizados e com cabelos coloridos – inspirados em Zandra Rhodes? Nos anos 70, numa dessas viagens a Londres, adotou o cabelo vermelho vivo. 

Rita Lee, sempre crítica e irreverente, depois de ser presa em 1976, surpreende em show com uma roupa listrada, símbolo de uniformes de presidiários. Passa a elaborar looks com o uso de plásticos, acessórios maximizados e fantasias incorporadas a figurinos de shows, como a performance vestida de bruxa desde a época dos Mutantes, transformando suas canções em quadros teatrais místicos, sem medo de ser “queimada na fogueira” – a cara dela! 

Foto: Reprodução

O macacão inteiro de mangas compridas com base malha telada/vazada tipo rede, em “arrastão”, e aplicação de estrelas prateadas quase revelando o corpo magro e nu da artista, produzindo uma imagem andrógina, de moda icônica – “glam disco’ que ficará guardada para sempre. Criando desta imagem um reflexo do que amamos na moda: autenticidade e rebeldia, mesmo inicialmente causando estranheza.  

Talvez um dos seus looks mais comerciais, seja o macacão de Jersey branco da estilista norte-americana Norma Kamali, usado no LP “Lança Perfume” de 1980: todo drapeado nos ombros até a cintura e mangas, que envolvia o corpo como uma cascata, lindo, muito anos 1980. Virou uma febre entre as amigas, como Elis Regina e o público feminino em geral. 

Outra composição surpreendente foi o figurino conceitual produzido pelo estilista brasileiro Ocimar Versolato, conhecido internacionalmente. Usado na turnê paulista nos anos 1990, contava com um suporte com seis imagens da própria Rita Lee e tinha como base peças de alfaiataria.  

Fez dos óculos com lentes coloridas (à la John Lennon), por ter quase todos os “ismos” – [fotofobia, hipermetropia e astigmatismo], cabelos tingidos de vermelho e franja reta, combinação livre de cores, estampas e brilhos – seu grito anti-moda, até porque sempre vestiu o que quis e cedo percebeu que a moda é cíclica. Falava que “não tinha um guarda-roupas, mas um acervo de peças”, e que não se incomodava em repetir. Rita Lee, a mais famosa Ovelha Negra ‘da família brasileira’, sempre soube das coisas… 

Rosanna Naccarato é Professora de Projetos em Design de Moda, da Faculdade SENAI CETIQT.

Foto de abertura: Jairo Goldflus / Divulgação  

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