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COTTON TRIP 2022

Abrapa e Movimento Sou de Algodão proporcionaram uma semana de visitas a fabricantes e jornalistas para conhecer como funciona atualmente a cultura do algodão no Brasil

Sob o sol do Cerrado, uma infinita plumagem branca e, espalhados pelas plantações, imensos fardos coloridos, de 2,3 toneladas cada um, recheados com o algodão que acabara de ser colhido. Chegando à cidade de Cristalina (GO), a 130 km de Brasília e 281 km de Goiânia, descemos na Fazenda Pamplona, uma das unidades produtivas do Grupo SLC Agrícola, que possui sede no Rio Grande do Sul.

E assim teve início a Cotton Trip 2022, promovida pela Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa) e o Movimento Sou de Algodão, a fim de aproximar fabricantes têxteis e jornalistas nacionais a conhecerem mais de perto uma fração do que é hoje a produção modernizada de algodão no país, que vem passando por grandes transformações.

O ALGODÃO BRASILEIRO

Com uma produção média de 2,8 milhões de toneladas por ano – mas capacidade para 5 milhões –, abastecendo todo o mercado interno e ocupando hoje o segundo lugar na exportação e quarto lugar na produção mundial de algodão, o Brasil precisou, primeiro, amargar com a terra arrasada que o pequeno, mas fatal, bicudo deixou no final da década de 1990, acabando com toda a cultura no país, de norte a sul. A saída, então, era ou parar de vez de produzir algodão no país, ficando nas mãos do mercado internacional, ou unir forças para procurar soluções, e foi isso que os produtores fizeram.

Em alguns anos de pesquisas mundo afora, coletando informações de práticas utilizadas nos principais países produtores, como Estados Unidos, Austrália, China e Índia, os produtores brasileiros de algodão começaram a reunir esses dados e fazer uma leitura do que era mais coerente com a realidade das nossas terras e do nosso clima. As plantações, antes concentradas nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, encontraram na região do Cerrado as condições perfeitas para plantio e desenvolvimento. Os anos 2000 marcaram uma nova fase para o algodão brasileiro.

Para quem acha que o algodão só serve para fazer tecido, ledo engano. Além de sua fibra usada no setor têxtil, cada pedacinho do algodão tem uma utilidade. Após ter passado pelo descaroçamento, o caroço do algodão continua com uma penugem, que pode ir para o algodão em bolas, que encontramos nas farmácias, hastes flexíveis e papel moeda; quando esmagado, o caroço verte um óleo bastante utilizado nas indústrias de alimentos e cosméticos, enquanto sua casquinha vira “torta de algodão”, para alimentar o gado. Já os galhos secos após a colheita viram palha de proteção ao solo para a próxima cultura, como a de milho ou de soja, evitando que água penetre diretamente e cause erosão. Foto: Silvia Boriello

SEGUNDA CHANCE

A partir dessa nova etapa da plantação no Cerrado, o Brasil tornou-se o único país no mundo a ter o regime de sequeiro (92% das plantações trabalham dessa forma), ou seja, praticamente sem irrigação, só com a água das chuvas. Isso devido à chamada “janela” na lavoura, uma logística em que a safra é plantada entre os meses de setembro e outubro de um ano e colhida entre julho e agosto do ano seguinte, recebendo um pouco mais de água nos primeiros 90 dias para a germinação, e depois se desenvolvendo de forma controlada, para que o resultado seja o melhor possível. Enquanto o Brasil irriga apenas 8% de suas plantações de algodão, nos Estados Unidos 37% delas demandam água para sua produção e, na Austrália, este índice chega a 100%. Nosso score de algodão sustentável é imbatível nesse quesito.

As condições de solo e mão de obra também mudaram. Antes monocultura e colheita manual; hoje, culturas complementares como o milho e a soja, que são plantadas num sistema cíclico e rotativo, para que a terra tenha seu tempo de regeneração, continue produtiva e não haja infestação de pragas. E a colheita agora é toda mecanizada, exceto em alguns rincões onde ainda há plantações menores e infraestrutura precária.   

Um dos aspectos que mais esquentam a discussão em relação à cultura do algodão é ele, o agrotóxico, ou defensivo agrícola, como achar melhor. Mais especificamente o glifosato, um composto químico criado, primeiramente, para a indústria farmacêutica, na década de 1950, mas se popularizou nos anos 1970 por meio da Monsanto, que começou a utilizá-lo em seus herbicidas para matar ervas daninhas, e com a entrada das sementes transgênicas, as culturas de milho, algodão e soja tiveram uma explosão de produtividade em um menor espaço de terra. Mas, como dizem, a diferença entre um remédio e um veneno é sua dose, por isso as críticas e as preocupações com o efeito desses químicos aos trabalhadores, consumidores e ao solo são legítimas.

“Alguns pesticidas químicos não podem ser substituídos por biológicos, como os herbicidas, que, em geral, são classificados como menos tóxicos”, relata Marcio Portocarrero, diretor-executivo da Abrapa. Ele explica que o glifosato é classificado na Anvisa como Categoria 5 – produto improvável de causar dano agudo, numa escala que vai de 1 a 5, sendo 1 extremamente tóxico. Porém, com as referências de medidas de segurança indicadas pela própria Anvisa, esse risco é minimizado nas lavouras de algodão atualmente.

Com a modernização das práticas nas plantações algodoeiras, há uma série de tecnologias e estudos sendo empregados para melhorar todo o ecossistema produtivo. Entre elas estão, além do mapeamento digital, o monitoramento por drones, que indicam onde pode haver maior incidência de determinado inseto prejudicial à lavoura e o herbicida ser aplicado somente naquele quadro, em vez da plantação inteira.

Outra é a junção da ciência com a natureza, tanto no controle biológico, com a ajuda de insetos, quanto na criação de biodefensivos a partir de bactérias, que agem sem agredir o meio ambiente e diminuem a dependência de aplicações constantes de outros produtos. Na Fazenda Pamplona, por exemplo, há um laboratório interno dedicado a esses estudos, e outras cinco biofábricas estão distribuídas entre Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso.

“O controle biológico é uma ferramenta no manejo integrado de pragas e doenças do algodão brasileiro e tem como objetivo aumentar a população de inimigos naturais contra pragas e doenças que afetem a plantação. No manejo integrado, há o monitoramento de pragas, vazio sanitário, rotação de cultura, controles genético, químico e biológico”, comenta Portocarrero.

Questionado sobre a substituição gradual de defensivos químicos por biológicos, que já estão presentes na maior parte dos produtores nacionais, o diretor-executivo da Abrapa diz que há, sim, um incentivo para a substituição, principalmente de inseticidas, como parte do protocolo de sustentabilidade adotado no programa ABR (Algodão Brasileiro Responsável), mas acha que dificilmente o uso de pesticidas será zerado.

“O ambiente tropical é desafiador para o manejo integrado de pragas e doenças, e o controle químico, muitas vezes, é necessário para a segurança da produção. Entretanto, há muita pesquisa promovida pelas fundações e instituições regionais, como a Fundação Bahia, Instituto Mato-Grossense do Algodão e Instituto Goiano de Algodão, por exemplo, financiadas pelos produtores de algodão para que o controle biológico dê certo”, afirma.   

Portocarrero também revela que a Abrapa, com a Embrapa, está capitaneando um estudo inédito sobre a praga do bicudo, maior predador do algodão, pois só se alimenta de uma seiva produzida por essa planta, estragando e manchando a fibra, inviabilizando seu uso. Este estudo visa mapear geneticamente qual molécula atrai o bicudo e isolá-la, para que esta praguinha não se interesse mais pela espécie. Ainda leva tempo até diversas variáveis serem testadas e aprovadas, como a não interferência no crescimento da planta e na qualidade da fibra, por exemplo. Mas, se obtiver sucesso, o estudo promete ser um divisor de águas na cultura do algodão em âmbito mundial, bem como promover a drástica redução no uso de defensivos.

ALGODÃO BRASILEIRO RESPONSÁVEL

Em um grande empenho em ter a cultura brasileira do algodão como benchmark em sustentabilidade para o mundo, a Abrapa lançou em 2012 o programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR), reunindo num único protocolo as regras para certificação da produção algodoeira de forma responsável, que chega este ano de ponta a ponta, com o rastreio de todo o ciclo de cada fardo de algodão até o consumidor final. Assim como a certificação internacional Better Cotton Initiative (BCI), introduzida no Brasil em 2010 (hoje o país é o maior produtor de algodão BCI do mundo), a ABR engloba os pilares social, ambiental, econômico e qualitativo, mas com quesitos ainda mais criteriosos e abrangentes, como a ABR-UBA, única no mundo a certificar unidades de beneficiamento de algodão, algo nunca auditado anteriormente. Aliás, as auditorias são feitas anualmente por certificadoras independentes, como ABNT, Gênesis e Bureau Veritas. O propósito, além de melhorar as práticas em todo o ciclo produtivo, é trazer transparência a cada etapa dele.

Para tanto, a Abrapa vem fazendo há alguns anos o rastreio do algodão de todas as fazendas certificadas, que hoje somam 84% de toda a produção brasileira, e há cerca de dois anos implantou o sistema por blockchain, para tornar ainda mais confiáveis os dados disponibilizados, como o nome da fazenda, da algodoeira beneficiadora, prensa utilizada no beneficiamento, entre outros.

Mas a entidade não parou por aí. Em 2021, lançou o programa SouABR, no qual marcas parceiras aderiram ao projeto-piloto de blockchain também nas tecelagens e confecções que utilizam o algodão certificado. A primeira foi a Reserva, que lançou uma coleção cápsula de camisetas rastreáveis, que evaporaram das lojas. Depois foi a vez da Renner e, recentemente, a Youcom, marca de moda jovem do grupo Lojas Renner, que fez calças com todo o processo de rastreabilidade por blockchain. Também participam do projeto a Malwee, Marisa, Pernambucanas, Shoulder, Farm e Maria Filó. De acordo com Silmara Ferraresi, assessora da presidência da Abrapa, esta novidade deve estar disponível a outras marcas do mercado que queiram aderir ao processo em meados de 2023. Vale destacar ainda que só o Brasil possui toda esta estrutura de rastreabilidade do algodão até o momento.

O controle de qualidade das fibras evidentemente não ficaria de fora. A Abrapa possui também o Programa Standard Brasil HVI (SBRHVI), para análise e classificação das fibras; 100% dos fardos de algodão no Brasil passam por este procedimento, que é uma espécie de ultrassom, mostrando dados intrínsecos e extrínsecos das fibras do fardo. Dessa forma, o comprador do algodão brasileiro terá mais transparência sobre o fardo que está adquirindo, gerando maior credibilidade ao mercado. Hoje são 11 laboratórios no país certificados para esta análise, que contam com ambiente controlado e equipamentos específicos, produzidos por apenas um fabricante no mundo, em Bremen, na Alemanha.

DO BRASIL PARA O MUNDO

Para impulsionar as exportações e a promoção do algodão brasileiro responsável mundo afora, a Abrapa, com a Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Anea) e a Apex-Brasil, criou a iniciativa Cotton Brazil, que conta com escritório comercial em Singapura, local estratégico para atender o mercado asiático, principal destino das exportações brasileiras de algodão (98%). A meta da iniciativa é ambiciosa: tornar o Brasil o maior exportador de algodão em pluma do mundo, desbancando os Estados Unidos até 2030. 

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