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SEBRAE, ABDI E APEX-BRASIL: ENTIDADES CORREM O RISCO DE PERDER A ATUAÇÃO

Associações setoriais têm se mobilizado com manifestos para que STF não invalide a Cide 

No início deste mês de agosto, diversas entidades setoriais – entre elas a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Associação Brasileira de Estilistas (Abest) e Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) -, assinaram manifestos em favor do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). O motivo? Uma ação que tramita no Supremo Tribunal Federal para que a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, a Cide, instituída ao Sebrae pela Lei nº 8.029/1990, e anos depois repassada também à Apex e ABDI, seja revista, e a fração repassada ao Sebrae, no caso, da alíquota descontada da folha de pagamento, seja reduzida. Já no caso da Apex e ABDI, extintas. 

Confira aqui os manifestos:

https://www.abit.org.br/noticias/manifesto-em-favor-do-empreendedorismo

https://www.abit.org.br/noticias/manifesto-de-entidades-setoriais-para-exportacao

https://www.abit.org.br/noticias/manifesto-de-entidades-setoriais-em-defesa-da-abdi

“Num momento em que precisamos construir, estamos falando em destruir?”, indaga Fernando Pimentel, presidente da Abit, uma das signatárias dos manifestos. Ele reforça o importante papel que estas entidades têm para a manutenção e desenvolvimento da indústria brasileira como um todo, e exemplifica o peso dentro da área têxtil e confeccionista. 

Só com a Apex-Brasil, com a qual a Abit tem parceria há cerca de 20 anos por meio do Texbrasil (Programa de Internacionalização da Indústria Têxtil e da Moda Brasileira) há entre 80 e 100 convênios ativos com empresas participantes do programa por, pelo menos, dois anos; aliás, o convênio foi renovado pela 11ª vez em novembro de 2019, valendo até novembro de 2021, e é em cima dessa agenda que são pautadas as ações das entidades. 

Feira Coterie, na França, em fevereiro de 2020: têxteis brasileiras representadas no exterior por meio do Programa Texbrasil, formado pela parceria entre Abit e Apex-Brasil / Foto: Texbrasil / Divulgação

“Cerca de 60% das empresas que estão no Texbrasil fazem a comercialização internacional por meio do convênio com a Apex. Temos aí 36 mil empregos garantidos pelo lado da exportação na indústria têxtil e de confecção, com feiras contratadas, compromissos assumidos com pelo menos dois anos de duração e, de uma hora para outra, isso tudo pode ruir”, comenta Pimentel. 

A Abit também tem parceria com a ABDI em projetos altamente tecnológicos que estão em pleno andamento, como o de manufatura avançada (Indústria 4.0) e 5G, entre alguns exemplos. Ainda de acordo com Fernando, caso interrompidos os projetos, este também seria um retrocesso sem tamanho para a indústria brasileira e sua competitividade. 

E ainda há o Sebrae, que tem um papel crucial no suporte em todos os aspectos às micro e pequenas empresas nacionais, e tem sido o pilar de salvação de diversas delas em meio à pandemia que atravessamos. “Em nosso setor, 85% das empresas são de pequeno porte e atendidas pelo Sebrae. Estamos falando de 35 a 40 mil empresas que perderão uma assistência tão importante nesse momento tão complicado em âmbito nacional. Portanto, que o bom senso prevaleça e que possamos interpretar a parte da Constituição como viabilizadora desse funding que tanta vantagem e importância tem para a competitividade do Brasil”, reforça o presidente da Abit. 

ENTIDADES EM RISCO DE PERDER SUAS ATUAÇÕES

Em seus quase 50 anos de existência, o Sebrae, uma entidade privada sem fins lucrativos, foi criado em 1972 para a capacitação e desenvolvimento econômico da quase totalidade das empresas brasileiras: as de micro e pequeno porte (MPE).

Só em 2019, o Sebrae registrou 11 milhões de atendimentos entre PF e PJ, e durante a pandemia de Covid-19, intensificou os trabalhos para apoiar os empresários de micro e pequenas empresas, reforçando os atendimentos e orientações online em seus mais de 1.900 pontos de atendimento em todo o país, mobilizando toda a sua rede de colaboradores. De acordo com a entidade, no primeiro quadrimestre de 2020, foram 1.476.563 clientes atendidos – cerca de 200 mil a mais que no ano anterior; e do total de atendimentos, 40% foram digitais – volume 122% maior em comparação a 2019.  

“Na pandemia, pugnamos para que as políticas públicas de apoio às MPE fossem implementadas, a exemplo das prorrogações de tributos e novas linhas de crédito. 33% de quem procurou a Caixa foi encaminhado pelo Sebrae; 57% de quem conseguiu empréstimo pela Caixa foi encaminhado pelo Sebrae; e a chance de quem foi encaminhado pelo Sebrae conseguir o empréstimo é quase 3 vezes maior do que a de quem não foi”, destaca Carlos Melles, presidente do Sebrae.

Além da viabilização de linhas de crédito via Pronampe e Fampe, durante a pandemia o Sebrae deu uma turbinada em suas capacitações educacionais de empreendedorismo, tendo contabilizado somente este ano, até o dia 28 de abril, 862 mil alunos inscritos, contra 4.256 em todo o ano de 2019. 

Questionado sobre o que o corte no repasse de verbas (de 85,75% da Cide para 70%) pode trazer para todo o atendimento que o Sebrae faz e, consequentemente, à economia do país, o presidente da entidade foi categórico: o impacto é gigante, e significa repensar todo o funcionamento e o atual modelo da instituição. 

“A relevância do trabalho do Sebrae para a economia nacional é consenso entre os empresários. Segundo pesquisa realizada em 2019, 98% dos pequenos negócios entrevistados concordaram que a entidade é importante para o Brasil, e 92,7% dos clientes disseram estar satisfeitos com os produtos e serviços da entidade. Sabemos que o impacto da redução de verbas vai além da própria instituição, pois isso irá refletir em 99% das empresas brasileiras, que são micro e pequenas”, ressalta Melles. 

Desde sua criação, há quase 20 anos, o Programa Texbrasil, nascido da parceria entre Abit e Apex-Brasil, se dedica a ajudar as marcas nacionais a serem reconhecidas fora do país e fazerem negócios duradouros, adequando sua produção e distribuição aos mercados-alvos. Já passaram por ele mais de 1.500 empresas em mais de 7 mil ações promocionais, contabilizando, neste período, US$ 4 bilhões em exportações de artigos têxteis (incluindo tecidos técnicos e nãotecidos), de vestuário, cama, mesa e banho, entre muitos outros. 

De acordo com a gerente de Indústria e Serviços da Apex-Brasil, Maria Paula Velloso, o efeito de uma mudança na Cide neste momento, significa o fim das três instituições. “O impacto é direto e definitivo na receita não só da Apex-Brasil, mas também na do Sebrae e da ABDI, e uma vez que não se trata da redução de repasses, mas a cessão desses, os programas e projetos setoriais serão descontinuados, assim como o apoio dado pela Apex às empresas do setor têxtil e de confecções”, lamenta. 

A atuação da ABDI, totalmente estratégica e estruturante, não fica por menos. Aliás, nem um pouco. A Agência desenvolve diversas ações que apontam caminhos seguros para que as empresas se adaptem às novas necessidades do mercado, principalmente considerando as características da nova economia, que traz consigo uma dinâmica completamente diferente e exige reações rápidas e assertivas, e neste momento histórico de pandemia, para que haja uma retomada econômica, o país precisa estar preparado para a jornada da transformação digital, acelerada com os últimos acontecimentos. 

De acordo a ABDI, sua contrapartida ao país é a de contribuir para que o setor produtivo esteja em sintonia com o que há de mais inovador na economia mundial, para garantir maior eficiência e produtividade, geração de empregos e formação de profissionais qualificados. 

Com o setor têxtil, a entidade tem parcerias como a do desenvolvimento dos uniformes inteligentes, voltados ao uso das Forças Armadas. São roupas com funcionalidades físico-químicas que garantirão maior capacidade de ação aos soldados. O objetivo do projeto é estabelecer uma ponte entre as demandas do Exército Brasileiro e as respostas oferecidas pelo setor privado, promovendo o complexo industrial de defesa. E o resultado também é o desenvolvimento tecnológico do setor, que passa a ter maior capacidade de produzir tecidos para o uso dual. Mais recentemente, a ABDI investiu em projetos com o Senai e a Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) para o desenvolvimento de tecidos antivirais com capacidade de neutralizar o SarS-CoV-2, causador da Covid-19.Segundo a instituição, caso o STF decida pela inconstitucionalidade da contribuição de 0,3% da folha salarial das empresas, que custeia quase o total das receitas da ABDI, bem como do Sebrae e da Apex-Brasil, todas as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico serão impactadas, além, é claro, de acarretar consequências desastrosas para as micro e pequenas empresas, para o desenvolvimento tecnológico industrial e para o mercado exportador.​

NÃO O PORQUÊ, MAS DE QUE FORMA

O caso da Cide-Sebrae começou em 2009, quando uma empresa entrou com uma ação contestando a exigibilidade ou não da contribuição, especialmente após a entrada em vigor da Emenda Constitucional no 33/2001 sobre a Lei 8.209/1990, e vem tramitando entre análises, julgamentos e pedidos de vistas nestes 11 anos. 

A preocupação das entidades beneficiárias e suas apoiadoras aumentou com o recente parecer emitido pela ministra do STF, Rosa Weber, em favor de que a Cide seja revista, enquanto o presidente do Supremo, o ministro Dias Toffoli, posteriormente julgou pela manutenção da contribuição. Mas quando e como será esse desfecho, ainda é uma incógnita. Ronaldo Pavanelli Galvão, advogado, coordenador da área tributária e sócio da Gaiofato e Galvão Advogados Associados, diz que os reflexos desta discussão devem ser analisados por dois ângulos: o dessas entidades, que dependem das contribuições – o Sebrae, por exemplo, acaba incentivando muitas MPEs, o que é muito importante, mas também há o outro ponto de que as empresas terão um custo menor para contratação de empregados, pois o pagamento dessas contribuições será menor. “O custo do empregado aqui no Brasil é muito pesado, e a tendência do sistema tributário é eliminar estas tributações sobre a folha de pagamento para incentivar a contratação de mão de obra, impulsionando a formalização. Inclusive, na Reforma Tributária, esse é um dos pontos polêmicos”, comenta.

Ele lembra que em 2001, com a emenda constitucional 33, foi alterado um artigo da Constituição que fala exatamente sobre as contribuições sociais e as Cide, e ficaram definidas algumas bases de cálculo para estas contribuições, entre elas o faturamento, receita bruta, o valor da operação, ou no caso da importação, o valor aduaneiro. E a discussão é exatamente se este rol da base de cálculo das contribuições sociais e das Cide é taxativo ou exemplificativo, ou seja, se este rol pode ser expandido ou se só existe esta menção à base de cálculo, se pode haver uma extensão da interpretação ou não. 

“A base das contribuições destas instituições (Sebrae, ABDI e Apex) vem de leis anteriores, diferente da base de cálculo que foi mudada em 2001 com a EC. A alegação do contribuinte na ação que está hoje no Supremo, com a ministra Rosa Weber como relatora, é exatamente o questionamento sobre esta base de cálculo. Em junho, ela já deu seu voto favorável aos contribuintes e contra a incidência destas contribuições, julgando-as inconstitucionais; depois disso, o ministro Dias Toffoli pediu vistas, e o julgamento será retomado. Caso a decisão do STF seja pela inconstitucionalidade da cobrança da contribuição da Cide Sebrae/ABDI/Apex, a tendência é que tenha um efeito cascata contra outras contribuições sociais que também incidem sobre a folha de pagamento, como do Sistema S”, explica Pavanelli.  

Rubens Ferreira Junior, advogado tributarista da AUS – Advocacia Ubirajara Silveira, reforça que entidades como o Sebrae, ABDI e Apex-Brasil têm que existir, além de serem de suma importância ao país, mas a forma como a arrecadação da contribuição vem sendo feita está errada, pois não possui nenhum lastro na atual Constituição Federal. 

“Estas entidades têm que pleitear junto ao Congresso Nacional para que seja editada uma lei que tribute nos termos atuais da Constituição, pois a propriedade é um direito fundamental e deve ser respeitado, não cabendo fazer emendas ou ‘jeitinhos’ para sustentar a constitucionalidade de uma Cide que é flagrantemente inconstitucional”, expõe. O jurista ainda ressalta que, caso não haja uma regularização nesta situação, o déficit ao erário será ainda maior, pois as empresas que até hoje contribuíram, poderão pleitear junto à União a restituição das contribuições pagas nos últimos 5 anos. Ou seja, uma questão delicada e “perde-perde” em todos os sentidos, nos benefícios tangíveis e intangíveis aos contribuintes e ao país.  

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